Targini e a Escola Real
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“O barão de São Lourenço deixou o Brasil e nós perdemos assim o protetor”.
“O barão de São Lourenço deixou o Brasil e perdemos assim o nosso protetor”.
Jean Baptiste Debret, em seu magnifico livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, escreve este desabafo, ao se referir a Francisco Bento Maria Targini, que acompanhava D. João VI em seu retorno a Portugal, em 1821.
De fato, Francisco Bento Maria Targini, barão e mais tarde Visconde de São Lourenço, deu grande apoio para a implantação da Escola Real, das Ciências, Artes e Ofícios do Rio de Janeiro.

Em um breve resumo, pode-se dizer que a ideia da implantação da Escola se deu quando o embaixador português em Paris, o Marquês de Marialva, homem culto e admirador das artes, testemunhou a má

vontade do novo governo francês, após a derrota de Napoleão, para com diversos artistas que eram admiradores do ex imperador corso, e o receio destes de sofrerem represálias por suas posições políticas. Os artistas manifestaram sua vontade de exilarem-se no Brasil e pediram guarida a D. João VI. O embaixador, em contato com o Ministro da Relações exteriores, Conde da Barca, providenciou o embarque dos franceses, para o Rio de Janeiro, em 1816. Vieram, entre outros, Lebreton, do Instituto de França, os pintores Jean Baptiste Debret, Nicolas Antoine Taunay, Auguste Taunay, escultor, Grandjean de Montigny, arquiteto.

Foram bem acolhidos por D. João VI e pela corte. O Governo lhes deu a incumbência de organizarem a academia, lhes pagando uma pensão. O pintor Lebreton foi designado como diretor do empreendimento.
O PROJETO E CONSTRUÇÃO DA ACADEMIA
Logo, conta Debret, “o Conde da Barca encomendou ao arquiteto Grandjean de Montigny o projeto de um palácio, para a Academia de Belas-Artes, projeto que foi aceito pelo Rei, e iniciaram-se imediatamente os alicerces desse edifício, confiado à proteção especial do Ministro das Finanças, Barão de São Lourenço.
Infelizmente perdemos o Conde da Barca no mês de junho de 1816. Mas o Ministro das Finanças ficava encarregado da construção do palácio; ademais, esse ministro, todo poderoso, honrava o senhor Lebreton, com sua estima e amizade particular.
Debret realça o apoio do Conde de São Lourenço, pois que, “em geral, os outros membros do governo pouco se interessavam por um estabelecimento que não existia em Portugal”.
A 12 de outubro de 1820, o ministro Targini, barão e mais tarde visconde de São Lourenço, substituto do conde da Barca, promulgou o decreto que determinava a criação da Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. Outro Decreto, já sob o Império, viria mais tarde solidificar o de 12 de outubro.
Contudo, criou-se entre portugueses e franceses uma certa animosidade. Os portugueses não haviam esquecido a invasão de Portugal, por Napoleão, e os artistas que chegaram eram partidários do Imperador, agora deposto. Também não queriam aceitar que se dessem cargos superiores, de mando, aos professores franceses, em detrimento dos da terra.
Targini não deixava de entender os sentimentos portugueses, mas também não queria perder a colaboração dos ilustres artistas franceses, para a criação da academia.
Os franceses desprezavam os trabalhos dos portugueses e se achavam muito superiores.
Esta atitude só piorava a convivência, entre o corpo de colaboradores da Academia.
Com a morte de Lebreton, Nicolas Taunay achou-se no direito de ocupar o cargo vago, mas logo ficou desiludido com a decisão de Francisco Bento Maria Targini de nomear um pintor português, Henrique José da Silva.
Estava certo Targini. Os franceses, afinal, tão bem recebidos pelo Rei, que até lhes designou uma pensão, dando-lhes acolhimento na hora difícil pela qual passavam em seu país, formaram um grupo fechado, no qual não se aceitava os lusos-brasileiros . Achavam-se superiores, desprezavam os métodos de ensino de há muito empregados em Portugal e chamavam os brasileiros e portugueses designados para fazerem parte da Academia de “intrusos”.
Debret, oriundo de uma nação que invadira Portugal e que fora a causa da tão sofrida transferência da corte para o Brasil, esquecendo-se de que era um convidado do governo português e que, apesar de suas posições bonapartistas, fora recebido com todo respeito, chega a escrever que as intrigas entre franceses e portugueses era “consequência da introdução inconveniente de dois portugueses (o diretor e seu secretário) no corpo acadêmico composto essencialmente de franceses. Anota mesmo que “estas consequências foram funestas”.
Para não ficar mal com aquele a quem chamava de único protetor, Debret chega a dizer que o “oerro do Barão de São Lourenço resulta de um motivo humanitário, que desejava apenas dar uma colocação a um artista infeliz, pai de doze filhos e a ele vagamente aparentado”.
Ora, todos estes comentários são apenas fruto dos sentimentos de um grupo, que se achava insatisfeito com as condições de seu exílio. Eram artistas acostumados a serem festejados pela corte de Napoleão e inconformados por não poderem ocupar a mesma posição social, na hierarquia do país que os acolheu. Sentiam-se humilhados pelos acontecimentos em sua terra, pelos quais foram obrigados a se exilarem, em um país que afinal desprezavam, cujo povo e governo não comungavam, em nada, com seus ideais políticos. E, o pior, ficarem subalternos a um artista português de quem se achavam muito superiores.
Por outro lado, o embaixador francês, junto à corte, J. B. Maller, não aceitava a vinda dos franceses, por serem bonapartistas, inimigos da casa de Bourbon, que agora governava a França e a quem servia com fidelidade.
A colocação de lusos brasileiros desempenhando funções juntamente com os franceses, lhes enfraquecia o poder absoluto que desejavam exercer na direção da Academia e cortava qualquer conspiração que talvez existisse, para criar um grupo de bonapartistas, na América, como temia o embaixador francês, Maller.
Como sempre acontece nestas ocasiões, os franceses, sentindo-se ofendidos por verem alguém de fora do grupo ocupar um lugar que, pretensiosamente, tinham certeza, lhes pertencia, exageraram em suas críticas contra o novo diretor.
Debret o descreveu como “um artista, protegido do Barão de São Lourenço, que vegetava em Lisboa, pintor medíocre, pai de numerosa família”.
Engraçado que Debret, criou tal ojeriza pelo recém nomeado que, em toda sua narrativa, não lhe cita o nome, designando-o com desprezo, ora como “o professor de desenho”, ou “o pintor português”, o “déspota português, ou o “medíocre e fingido diretor”. Também quanto à qualidade do trabalho de seu desafeto, classificava-o como “muito abaixo do cargo”.
Ora, acontece que o novo diretor, Henrique José da Silva, não era nem medíocre, nem vegetava em Lisboa.
SILVA, Domingos José da, 1784-1863
Joze Agostinho de Macedo / H. J. da Silva pinx. ; D. J. Silva esculp.. – [S.l. : s.n., 1814] ([Lisboa : : Impressão Régia]). – 1 gravura
Era um reconhecido pintor, retratista, paisagista português.
É de Henrique José da Silva a bela gravura do retrato do Visconde de São Lourenço, que ilustra o frontispício da tradução que fez do livro ” Ensaio Sobre o Homem”, de Alexandre Pope. Museu Nacional de Portugal.
Segundo narra a renomada historiadora Lilia Moritz Schwarcz, no seu livro O Sol do Brasil, página 240, “ Henrique José da Silva, nascido em Lisboa em 1772, foi discípulo de Pedro Alexandrino, mestre da pintura em sua pátria. Antes de vir para o Brasil, lá muito havia trabalhado, deixando inúmeras telas, especialmente sobre assuntos sacros. No gênero de retratos, ainda pintou o de Bocage, Wellington e Beresford, figurando o seu nome no dicionário de Bryan” . (“Biographical and Critical Dictionary of Painters and Engravers”, do historiador de arte Michel Bryan, livro de referência dos artistas do Sec. XIX).
Também , na cidade Santiago do Cacém, Portugal, conforme esclarece o Sistema de Informação para o Património Arquitectónico – SIPA, encontra-se uma Última Ceia, pintada, em 1815, por Henrique José da Silva, que muito interesse tem despertado dos acadêmicos, por ser quase idêntica à composição Última Ceia, pintada em 1828, 13 anos depois, por Mestre Athaide.
(Vide tese apresentada no IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP, por Pedro Queiroz Leite: EM BUSCA DAS FONTES: ATAÍDE E OS LIVROS ESTAMPADOS DOS SÉCULOS XVIII E XIX).
Mesmo que, para os franceses e para a crítica de alguns, Henrique José da Silva não fosse considerado um grande pintor, na verdade ele foi nomeado, não como um pintor para lhes fazer sombra e concorrência, mas como Administrador da Escola e professor de desenho, que era um cargo considerado de menor importância, pois as funções dadas aos franceses, de Pintores de História e de Paisagem, eram muito mais prestigiadas. E como professor de desenho, Henrique da Silva cumpria bem o seu papel.
De seus alunos brasileiros, alcançaram a fama, Manuel de Araújo Porto-Alegre, Francisco de Sousa Lobo, José dos Reis Carvalho, José da Silva Arruda e Francisco Pedro do Amaral – (Wikipédia) Chamam a atenção, também, o retrato de D. Pedro I, de botas, o de Bocage e o de D. João VI.
Aos detratores de Francisco Bento Maria Targini, fica mais este relato de sua sempre providencial interferência para o bom andamento dos negócios do reino. Sua atuação para que se desse andamento aos planos da criação da Academia, fato muito importante da história cultural do Brasil, comprova sua erudição e capacidade administrativa, ao contrário do que Hipólito José da Costa publicava em seu jornal, “O Correio Brasiliense”, tentando denegrir sua pessoa, por motivos políticos.